O colagénio e as lesões musculares – o caso Renato Sanches

Para este mês, convidámos novamente o Dr. Pedro Barreira, médico de família e adepto ferrenho do Benfica, para comentar as últimas notícias divulgadas pela comunicação social sobre os alegados problemas de saúde que poderão estar na origem das múltiplas lesões da estrela Renato Sanches.
NC: Segundo a comunicação social, foi identificada uma possível causa para os recorrentes problemas musculares do atleta: níveis reduzidos de colagénio. Mas o que é afinal o colagénio, e qual o seu papel no organismo?
PB - O colagénio é um termo genérico para referir um grupo de proteínas envolvidas na matriz extracelular dos tecidos (matriz de suporte estrutural dos tecidos), que partilham uma estrutura molecular semelhante (estrutura helicoidal tripla). Até ao momento foram identificados pelo menos 29 subtipos de colagénio, correspondendo ao grupo de proteínas mais abundante do corpo humano (cerca de 30% das proteínas do corpo).
Apesar de o colagénio ser o principal constituinte da matriz extracelular, esta contém outras moléculas como elastina, proteoglicanos e outras glicoproteínas. Contudo, é o colagénio que lhe confere a maior parte da resistência mecânica e elasticidade.
Os colagénios mais conhecidos pertencem à classe fibrilhar, com destaque para:
- Colagénio tipo I - o mais abundante no organismo, presente nos ossos, tendões, pele, córnea, ligamentos e outros tecidos conjuntivos.
- Colagénio tipo II - predominante na cartilagem e olho (vítreo).
- Colagénio tipo III - associado a tecidos mais elásticos, como a pele, pulmões e vasos sanguíneos.
Estes subtipos estão diretamente implicados na integridade mecânica e estrutural dos tecidos. Por exemplo, a combinação dos tipos I e III em músculos e tendões permite não só a resistência ao estiramento como também flexibilidade. Assim, uma alteração na síntese ou organização destes colagénios, que pode ocorrer num défice quantitativo ou qualitativo, compromete a estabilidade da matriz extracelular, favorecendo microlesões, ruturas tendinosas e um menor potencial regenerativo.
Este contexto ajuda-nos a compreender porque é que um eventual défice de colagénio em atletas de alta competição, como Renato Sanches, pode traduzir-se clinicamente em lesões musculares repetidas e de recuperação lenta. O equilíbrio da matriz extracelular, sustentado em larga medida por diferentes tipos de colagénio, é fundamental para o desempenho físico de alto nível.
NC: Como se faz o diagnóstico de uma doença relacionada com o colagénio?
PB – As alterações na estrutura ou no metabolismo do colagénio podem ter consequências clínicas significativas por afetarem tecidos como ossos, articulações, vasos sanguíneos e pele e, portanto, estarem associadas a uma panóplia de sintomas e sinais. Para investigar as causas subjacentes é essencial realizar uma história clínica detalhada, incluindo história familiar de doenças do tecido conjuntivo, fazer exames ao sangue, estudos de imagiologia dirigida (como densitometria óssea, ressonância magnética osteoarticular, etc) e eventualmente recorrer a estudos genéticos, que podem identificar mutações em genes importantes.
Existem várias causas por detrás das doenças associadas ao colagénio. Temos causas relacionadas com o envelhecimento, doenças auto-imunes, doenças genéticas, fatores ambientais (tabagismo, exposição solar), entre outros. Alguns exemplos de patologias associadas a subtipos específicos de colagénio incluem:
Doenças relacionadas com a idade:
- Osteoporose (envolvimento predominante de colagénio tipo I);
- Osteoartrose (envolvimento predominante de colagénio tipo II);
Doenças genéticas:
- Condrodisplasias, associadas ao colagénio tipo II;
- Osteogénese imperfeita, ligada a mutações no colagénio tipo I;
- Síndrome de Alport e Síndrome de Ehlers–Danlos, com alterações no colagénio tipo IV;
- Glomerulopatia de colagénio tipo III.
Doenças auto-imunes:
- Dermatite atópica, possivelmente associada ao colagénio tipo III;
- Artrite reumatoide, com alterações predominantes no colagénio tipo II;
- Lúpus, sem um subtipo específico associado.
No caso do Renato Sanches, a idade jovem, combinada com lesões musculares frequentes e recorrentes, poderá levantar a suspeita de uma condição genética, mas temos poucos dados para uma convicção diagnóstica, podendo ser outra causa, obviamente.
Contudo, o diagnóstico precoce nestas situações é essencial para prevenir agravamento clínico, orientar o tratamento e, no caso de atletas, adaptar o treino e a reabilitação de forma individualizada.
NC: Que tratamentos existem disponíveis para as doenças do colagénio?
PB - Infelizmente, muitas destas doenças não têm cura definitiva, por serem genéticas ou degenerativas. No entanto, existe uma abordagem terapêutica eficaz centrada em reduzir os sintomas, prevenir lesões e melhorar a qualidade de vida. As estratégias incluem: fisioterapia e exercício físico adaptado, para reforço muscular e estabilidade articular; nutrição adequada, com foco em nutrientes que ajudam na síntese de colagénio (como vitamina C, zinco, cobre e aminoácidos como a glicina e a prolina); suplementação com colagénio hidrolisado, que pode ser benéfica em alguns casos, sobretudo como suporte à regeneração dos tecidos; medicamentos específicos, conforme os sintomas, como analgésicos, anti-inflamatórios ou, em situações mais graves, terapêuticas biológicas. O acompanhamento deve ser sempre multidisciplinar e individualizado, e a prevenção de lesões é um dos principais objetivos.
Muito obrigado, Dr. Pedro Barreira, por mais esta partilha tão clara e relevante.
O caso de Renato Sanches traz luz para uma realidade que pode afetar outras pessoas, inclusivé fora do desporto de alta competição, e lembra-nos da importância de cuidarmos do nosso corpo “de dentro para fora”.
E as melhoras para o nosso querido jogador Renato Sanches!